Isabel Jonet é uma mulher muito pobre

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Isabel Jonet

Isabel Jonet é uma mulher muito pobre

  1. Não há palavras para as palavras de Isabel Jonet. Afirmou a presidente e fundadora do Banco Alimentar que os pobres têm uma “tendência natural para gastar o dinheiro malgasto”.

Já há dez anos, Jonet mostrara o seu espanto por constatar que muitos pobrezinhos tinham a distinta lata de comer bife quando lhes faltava o básico.

Ela acredita no que está a dizer. Acredita mesmo que os pobres são menos capazes – por serem burros, por serem crianças grandes, por serem drogados, bêbados, indisciplinados ou mal preparados.

Acredita mesmo que precisam de ser ajudados.

2. Vamos lá a ver.

Um quarto dos trabalhadores em Portugal ganha 740 euros, o salário mínimo.

E há milhares de pessoas que acumulam empregos e biscates para levarem para casa muito pouco.

Os pobres não têm tendência para gastar mal o dinheiro, cara Isabel Jonet.

Os pobres não têm mesmo dinheiro para gastar. Porque aquilo que a senhora é capaz de gastar numa ida ao supermercado é o que eles têm para gastar num mês e certamente que a minha aposta é por defeito e não por excesso.

3. Não falo apenas dos que ganham salário mínimo.

Falo também dos que nem isso têm.

Ou até dos que pertencem a uma classe média, como tantos e tantas que, nesta altura, estão parados no trânsito e a caminho de casa.

Gente que chega ao dia 15 já sem dinheiro por ele não esticar – ou a senhora acha que quem ganha 1000 euros por mês, com filhos e a ter que morar em casas nos arredores, tem possibilidade de ir juntando para um dia montar um negócio?

banco alimentar contra a fome
Isabel Jonet é uma mulher muito pobre 4

4. Isabel Jonet é um caso perdido.

Percebemos que o trabalho que fez é um trabalho caritativo e preocupado com a sua alma. A sua obsessão não é com a pobreza, mas com a soma das suas virtudes.

Muito bem.

Nada contra.

Mas quero deixar-lhe um apelo sincero.

Por favor, fique em silêncio.

Por favor, deixe de insultar as pessoas com a sua doentia e patética arrogância de classe.

5. E volto aos bifes.

E aos sumos.

E às batatas fritas.

E às porcarias supérfluas que os pobrezinhos comem e bebem como se o pudessem fazer.

Como se tivessem o direito de se sentir gente como os outros.

Como se tivessem o direito de pôr na mesa 250 gramas de camarões ou uma coca-cola para as crianças beberem no almoço de domingo.

Como se tivessem o direito de acreditarem que são como os outros, de acreditarem que podem comer um bifinho com batatas fritas como os ricos, de acreditarem que os filhos podem ter uma “Pepa” ou um “Pokémons” como os miúdos dos anúncios.

Depois de doze horas a limpar a trampa dos outros, ou depois de fazerem o trabalho que mais ninguém quer fazer, que ousadia essa de pensarem que não estão condenados a não sair da cepa torta.

Resta-lhes então agradecer a bondade de Isabel Jonet. Agradecer-lhe por cuidar dos pobrezinhos, por os ajudar na sua infame tendência para sonhar. Pobres diabos que sonham em vez de se contentarem com a realidade.